O INSTITUTO PIETISTA DE CULTURA (IPC) é um Instituto Teológico mantido pela IBRM (Igreja Batista Renovada Moriá). A sua missão é promover o ensino do pensamento cristão dentro de uma perspectiva interdisciplinar, combinando o aspecto acadêmico da teologia com o aspecto devocional da fé.

O IPC se propõe a oferecer cursos livres de teologia em nível médio e superior. Além disso, pretende oferecer cursos de extensão em temas teológicos específicos de caráter apologético e transdisciplinar. Os referidos cursos de extensão proporcionarão suporte aos Seminários e Faculdades Teológicas existentes, oferecendo a oportunidade de complementação e especialização dos estudos.

O IPC também oferecerá Cursos de Pós-Graduação em convênio com Instituições de Ensino Superior já credenciadas pelo MEC.

O corpo docente do IPC é formado por professores graduados e pós-graduados (especialização, mestrado, doutorado) em Universidades credenciadas pelo MEC e pela CAPES. Alguns de nossos professores também são professores de Universidades Federais e Estaduais, tendo ampla experiência em cargos de coordenação, em composição de currículos universitários e em assessoria de autorização e reconhecimento de cursos de graduação junto ao MEC.

Os professores do IPC têm também ampla produção cultural através da publicação de livros e de artigos em revistas e jornais especializados. O Jornal TOCHA DA VERDADE é um periódico teológico vinculado ao IPC. As obras da Editora Moriá também dão especial atenção aos temas de aprofundamento do IPC.

POR QUE É PIETISTA?

No século XVII, após a morte de Martinho Lutero, as igrejas protestantes na Alemanha se entregaram a disputas teológicas, negligenciando o aspecto experimental e prático da fé. Nesse instante, Filipe Jacob Spener apareceu em cena através de seu livro “Desejos de Piedade” (1675). Ele protestava contra a crença popular de que a pessoa podia se considerar cristã pelo simples batismo infantil. Contra isso, ele interpunha a exigência do novo nascimento como uma experiência pessoal. Spener não se opôs a teologia, mas insistiu na importância dos estudos bíblicos acontecerem em um contexto de fervor espiritual. Ele enfatizou a fé viva contra a ortodoxia morta.

Spener introduziu um sistema de grupos de estudos bíblico nos lares e ressaltou o sacerdócio universal dos crentes. Os seus “colégios de piedade” inspiraram as “sociedades metodistas” na Inglaterra. O pietismo alemão correspondeu ao evangelicalismo anglo-saxão.

O convertido mais importante de Spener foi A. H. Francke (1663-1727), outro grande líder do movimento pietista antigo. Francke fundou uma nova universidade dentro da orientação pietista.

A influência do pietismo foi poderosa. O afilhado de Spener, Conde Zinzendorf, importante líder dos irmãos morávios, trouxe grande impulso ao movimento missionário evangélico. Através dos irmãos Morávios, John Wesley se converteu na Inglaterra, e, pelo seu ministério, a Inglaterra conheceu o maior avivamento espiritual de sua história.

O IPC é pietista porque ressalta uma fé viva, um cristianismo experimental, o fervor evangélico e missionário. Como M. Lloyd-Jones, compreendemos a pregação e o ensino como “razão eloqüente” e “lógica em chamas”!

POR QUE “DE CULTURA”?

Por que visa a uma formação interdisciplinar que capacite os alunos a argumentarem a favor da fé cristã em um ambiente acadêmico secular. A nossa preocupação é com o equilíbrio entre “identidade e relevância”. Pretendemos argumentar nos “jogos de linguagem” dos acadêmicos, mas sem fazer concessões no conteúdo bíblico de nossa fé.

Oferecemos formação teológica capaz de não ser abalada pelas modernas críticas do pensamento secularizado.


O super-homem que morreu!



Como todo pensamento tem seu fundamento em reflexões direcionadas para questões da vida, a doutrina do Übermensch (“além-do-homem” ou super-homem) de Nietzsche não foi diferente, segue um caminho para fornecer uma solução para o problema do marasmo humano. Intencionado em despertar o conceito de uma nova metafísica numa sociedade estagnada no niilismo, ousou demonstrar a potencialidade do ser humano em superar a si mesmo, porém, não mais se preocupando com valores cristalizados, estabelecidos em postes monumentais cujas “obras notáveis” dos grandes vultos da ciência prendiam o indivíduo numa formalidade hermética. Ele foi além, apresentou de maneira acessível qual direção tomar; por mais que isto não tivesse sido reconhecido em sua época, atendeu ao seu desejo de explanar o que estava latente aos sujeitos, todavia, algo que ninguém ousava comentar, pois era assunto de teor intempestivo.
Um dos conceitos de sua teoria, a prostração humana, pode ser verificado nas mais diversas situações da vida. Para tanto, enumerarmos duas situações para estabelecermos uma relação com o pensamento Nietzschiano: no caso de um monge, não seria difícil verificarmos um comportamento de negação da vida mundana. Ademais, o mesmo se apega a uma conduta de obediência no serviço divino numa tentativa de ser aceito pelo Deus Todo-Poderoso. Semelhantemente, Raymond Aron, em reflexão quanto ao pensamento weberiano na questão da Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, informa que a prosperidade seria a comprovação da aceitação divina no que dizia respeito à salvação eterna para os calvinistas. Ambos os pensamentos, o do monge e do protestante (segundo Aron), prendem-se a uma situação de renúncia terrena dos devaneios, evocando uma vida supra terrena onde a Deidade ordena a vida regrada para fins de deleites eternos. Isto, segundo Nietzsche, é sufocar para aniquilar com aquele bem dissimulado no homem. É deter a natureza pela qual o ser humano pode viver, mas se encontra “amedrontado”, impedido pela consciência de rumar contra a corrente.         
O objetivo de Nietzsche ter criado Zaratustra, que é personagem chave nesta sua investida, evidencia sua argumentação confrontante. O mesmo simboliza “a auto superação da moralidade”. Foi ele quem criou a moral, “o mais fatal dos erros”, por isso, deverá reconhecê-la, constatando seus efeitos, e assim superá-la. Desta maneira, Zaratustra será o exemplo motivador da doutrina do Além-do-Homem de onde aqueles que buscam percorrer a jornada entre o animal e o super-homem deverão estar fundamentados.
A motivação decorre da anunciação de que o homem é alguém a ser superado, visto que sua situação não exalava um entendimento da transitoriedade da vida, tendo como consequência à falta da consumação de seus desejos. Desta feita, surge a necessidade de desconsiderar as esperanças supraterrenas e admitir a morte de Deus, razão pela qual se poderia praticar tudo aquilo que se concentra no âmago do sujeito.Deus está morto! Foi sua mais célebre proclamação. Como consequência, os homens deveriam buscar valores que transcendessem a moral convencional divulgada pelo cristianismo; um retorno à ordem de castas, à ordem hierárquica [...] para a conservação da sociedade, para que sejam possíveis tipos mais elevados, tipos superiores - a desigualdade dos direitos é a condição necessária para que haja direitos. Concluiu dizendo: Quais são aqueles que mais odeio no meio da canalha dos nossos dias? A canalha socialista, os apóstolos [...] mirando o instinto, o prazer, o contentamento do trabalhador no seu pequeno mundo - que o tornam invejoso, que lhe ensinam a vingança [...] a injustiça nunca reside na desigualdade dos direitos, ela está na reivindicação de direitos iguais.[1] Para alcançar tamanha façanha, é preciso aprender a declinar ou perecer até chegar ao grande desprezo, “onde a felicidade, razão, piedade, justiça e valor presentes tornam-se repulsivos para nós”. Contudo, é na busca de uma doutrina que possa restituir a “inocência” do “vir-a-ser” que Zaratustra libertará o homem.
É neste momento, além de muitos outros, que podemos vislumbrar algo comum no pensamento nietzschiano, o pensamento cristão ao contrário, uma remodelação humana para desconstrução do Cristianismo. Para o Cristianismo, liberdade significa sair de uma condição tipicamente pecaminosa (prática dos apetites carnais e suas concupiscências) para adentrar numa vida nova com valores eternos e imutáveis direcionada para obediência pragmática[2] em Deus. Para o Cristianismo, liberdade é abandono de tudo aquilo que é contrário aos mandamentos divinos, enquanto que para Nietzsche liberdade é praticar tudo quanto se tem vontade, superando a moralidade estabelecida. Sendo assim, o homem é o meio, é a corda, é o canal entre o animal e o super-homem. Seu gênio tem que superar o último homem numa ação criadora; será através desta transformação que o homem alcançará a situação de Übermensch. Como Zaratustra ensinou, sua vontade deve determinar sua criação, pois sua vontade é poder. O problema maior seria constatar sempre o eterno retorno do mesmo, conceituado através de uma concepção circular do tempo, levando-o a declarar que tudo é em vão.
Ora, se tudo é vão, a concepção nietzschiana é um contrassenso! Como pode um homem querer fazer tudo quanto lhe apetece e no final, depois de saciar/estimular sua fome e sede egocêntrica, dizer que tudo é vão? Significa dizer que existe no seu íntimo um constante anseio de saciedade, pois as vicissitudes mundanas não foram capazes de satisfazê-la. Quanto mais se buscou tais satisfações mais se percebeu que elas estavam sempre distantes e se distanciando ainda mais, provocando um desespero pela consumação, por exemplo, do desejo carnal (numa linguagem bíblica). Salomão, após vivenciar práticas contrárias aos mandamentos divinos, apresentou este problema quando relatou: “Porque todos os seus dias são dores, e a sua ocupação é aflição”(Ec 2:23). Vê-se seu profundo desencantamento com o mundo, apesar de satisfazer os desejos de seu coração, extrapolando, inclusive, pelos caprichos das mulheres pagãs que o cercavam. Desta forma, a associação que faz do homem a um animal está vinculada a um conceito depreciativo porque na vida não consegue produzir algo expressivo (dentro dos seus conceitos de eliminação da Deidade). Este homem prefere se prender a uma rotina descompromissada com a superação, limitando-se pela satisfação das necessidades e reverenciando o imaginário.
Em Considerações Intempestivas, Nietzsche demonstra uma sociedade altamente despercebida e desinteressada na consumação de suas próprias vontades. A superficialidade e a concepção de uma história sem profundidade, não gerando objetividade, introduz a ideia de redução nos sujeitos que se vêem obrigados a submeterem-se às instituições. Tal atitude demonstra uma condição interior de muito potencial do sujeito, entretanto, subjugada ao mascaramento exterior de uma identidade que não deveria ser dele. Por esta razão, tenta incutir a ideia da personalidade forte, uma personalidade não submetida, uma necessária para subjugar o passado. É a ideia do super-homem.
Jesus, no Evangelho de João (4:13-14), propôs uma metáfora para uma mulher samaritana que de certa forma havia passado por experiências semelhantes as teorizadas por Nietzsche (rompeu com os paradigmas de sua época não cedendo ao forte preconceito feminino, relacionando-se inúmeras vezes e pertencendo a uma comunidade mista de judeus e pagãos). No caso, Jesus entendeu a ânsia daquela mulher e sua busca, por isso ensinou sobre uma fonte que a obrigava sempre dela beber e de outra que sacia a sede definitivamente. Essa ânsia é na verdade a busca pela satisfação espiritual e não pela física, no entanto, em muitos casos, o ser humano não consegue discernir bem sua condição e a confunde.
O gênero humano está sujeito à condição desviante. Os primeiros anseios e suspiros pelo pecado não são identificados como tal. A utilização do corpo para a prática pecaminosa com esquecimento da existência de Deus é uma constante na vida do homem natural. Todos são atiçados pela curiosidade do ato, não há quem diga não, porquanto na primeira condição de consciência estamos vencidos pelo pecado. Quando se pratica atos pecaminosos se acaba por estimular o vício, engodando-se na malha pegajosa do pecado, tornando-se desprovido de Deus e vencido pelo pecado. Por essa razão, Jesus ensinou a condição do homem pecador voltando ao poço de pecado: “Quem beber desta água tornará a ter sede...”. A repetição da pratica consiste na ânsia constante de querer algo que o satisfaça, mas também a percepção de que o beber da fonte mundana nunca satisfaz, obrigando o agente buscador sempre ao eterno retorno do mesmo. Nietzsche conhecia profundamente esses ensinamentos do Salvador. No entanto, a pergunta é: se Nietzsche sabia, então, por qual razão buscou fazer o contrário dos ensinamentos cristãos? A resposta para a questão é a rebeldia motivada. Nietzsche provou do dom celeste. Sua família era protestante, seus avôs eram pastores e ele era apelidado de o pastorzinho na idade infanto-juvenil devido sua devoção a Deus. Quando teve os primeiros contatos com os “mestres” do universo acadêmico do seu tempo, Schiller, Hölderlin, Byron e Schopenhauer (ateu), se afastou do Cristianismo. Motivado muito pelo que acontece nas universidades (uma coerção de alunos e professores para que os recém-admitidos possam “superar” sua fase de convicções cristãs) não conseguiu conciliar a fé e a razão. Essa situação gerou distanciamento, revolta e a negação da existência de Deus. Permitiu a proposição de ensinos sem moral, esquecendo-se que a moral é instrumento que conserva a sociedade e o bem estar social, mas acrescentou a possibilidade do homem se desviar de Deus através de um devir oriundo da sua filosofia. Enquanto Nietzsche procurou apresentar um sistema teórico complexo para superação dos valores cristãos, demonstrando as possibilidades e impossibilidades do ser humano, criando um modo de viver perigoso para o destino eterno do homem, fazendo com que esse criasse um ciclo vicioso de condutas prejudiciais ao ser natural e espiritual de si, a essência do Cristianismo, através das palavras do Cristo e dos apóstolos, nos apresentam a proposição objetiva, acertada e verdadeira da vida. Os teóricos tentam alcançar um patamar superior para atingir a equiparação entre os sistemas, no entanto, só encontraram desilusão.
A proposta de Nietzsche fundou-se no nascimento de uma nova ordem para sustentar a posteridade de um super-homem. Sua filosofia formaria o homem que desponta para a vida sem intervenções da moral, principalmente a moral cristã, mas deixaria fluir os interesses particulares de seu ser, produzindo o que de fato o homem seria capaz de produzir, sem se incomodar com fundamentos do passado cuja parametrização fornece à vida uma conduta regrada. Assim, acreditava em um antropocentrismo puro sem interferências. Promovia sua teoria baseada nos sentimentos latentes dos homens cuja moral estabelecida forçava uma maneira ordenada de viver sem cumprir com pilares erguidos e tradicionais. Censurou uma sociedade hipócrita que não tinha coragem de tirar a máscara, mas que continuava ocultando aquilo que lhe interessava fazer.
A proposição de que tudo é possível ao homem, porque querer é poder, é engano. Sempre existe uma consequência para uma concepção como essa. Defender o poder ilimitado do homem é ordenar a insanidade, pois o homem tem suas limitações e não é um super-homem. Antes que o leitor pense nessa consequência como um ato de castigo de Deus, não o é, pois é simples consequência dos atos anteriores do homem. Saiba o homem reconhecer a consequência dos seus maus atos. Como está escrito: “Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção...” (Gálatas 6:8). O determinante na ação é a vontade humana que é contrária à vontade divina. Há explicitamente a exaltação do homem e implicitamente a ideia de tornar Deus um ser ridículo e desprezível. A consequente é a corrupção que remete a ideia de morte sob os dois aspectos, a física, devido ao dano provocado pela prática demasiada das paixões e dos anseios hedonistas, e a espiritual cujo destino é eterno e irremediável. O próprio Nietzsche vivenciou esta experiência no fim de sua vida em estado de demência: “Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas estranhas. Um ano mais tarde, em Turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas ora assinando “Dioniso”, ora o “Crucificado” e acabou sendo internado em Basiléia, onde foi diagnosticada uma “paralisia progressiva”. Provavelmente de origem sifilítica, a moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia”.

Eis Nietzsche no final de sua vida...


Mas, Jesus Ressuscitou....

Por Heládio Santos
Bacharel em Ciências Sociais
Especialista em Teorias da Comunição e em Teologia Histórica e Dogmática

Referências

________. O pensamento de Nistzsche. Disponível em http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/nietzsche_pensamento.htm. Acesso em 14 Out 2014.

_________. Nietzsche. Editora Nova Cultural: São Paulo, 2005.  
           
Ansell-Pearson, Keith. Nietzsche como pensador politico. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 1997.

Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Considerações Intempestivas. Presença: Lisboa, Portugal, 1977.


[1] http://educaterra.terra.com.br/voltaire/artigos/nietzsche_pensamento.htm
[2] A tese fundamental para o pragmatismo é que a verdade de uma doutrina consiste no fato de que ela seja útil e propicie uma espécie de êxito ou satisfação, de acordo com C.S. Peirce, W. James J. Dewey e Friedrich J.C. Schiller. (de acordo com Dicionário Aurélio – Século XXI).

Tiago, o anabatista de Voltaire



Cândido é um conto do filósofo Voltaire, publicado em 1759, no qual nos é apresentado Cândido, o protagonista, como alguém “privilegiado”: índole suave, juízo assaz reto e espírito muito simples, porém que passa por agruras e severas adversidades em determinada fase de sua vida após ser inserido num contexto sombrio, apesar de seu otimismo.
Morava num castelo considerado o maior de todos, onde residia também sua paixão, a senhorita Cunegundes. Recebera instrução em metafísico-teólogo-cosmolonigologia, como queira Voltaire, junto ao mestre Pangloss (o cerne desta doutrina seria provar que não existia efeito sem causa). Devido ao lapso de flertar com a senhorita Cunegundes foi expulso daquele que “era o mais belo dos castelos”. Caminhou sem rumo até encontrar os recrutadores prussianos. Foi para o exército e também para a batalha. Foi quando testemunhou muitas desgraças, mas principalmente o desamor do gênero humano. Do “paraíso” foi ao “inferno”. Vivenciou as superfluidades da vida no encanto das aparências até chegar aos dissabores das muitas mortes presenciadas. Ele que fora instruído na doutrina das causas e efeitos procurava uma razão para sua situação. Buscava ele a verdade ou a ilusão?
Cândido consiste numa negação ao sistema leibniziano, ou seja, é oposto ao otimismo na vida. Uma negação das palavras de Pangloss: “...que as coisas não podem ser diferentes; pois, tudo sendo feito para um fim, tudo é necessariamente para o melhor fim” (p. 4). E qual a mensagem central da filosofia de Voltaire? O que está ruim pode ficar ainda pior? Voltaire duvidava de Leibniz neste ponto, porque enquanto Leibniz acreditava na justiça divina para regular a vida em sociedade, por exemplo, Voltaire, após duras experiências e dissabores com as condutas impróprias dos homens, não queria aceitar a possibilidade de as situações melhorarem. Via a realidade sem expectativa de mudanças benéficas, mas pelo contrário, por mais que se tentasse sair de situações degenerativas mais ocorrências apareciam para que o indivíduo não pudesse se sobressair. E o anabatista do conto, o que representa?
            Por entre seus dilemas surge Tiago, o anabatista. Um indivíduo de caráter, honestidade e disposto a ajudar. Não sei se Voltaire falava em tom de ironia ou de respeito sobre Tiago, o anabatista, mas de uma forma ou de outra, destaca-se o valor moral daquela figura que em meio ao enredo da história ajuda o desprezado e humilhado Cândido. Como ele mesmo narra. Pelos vistos, Tiago, o anabatista, é um personagem de boa índole. Apresentado como o diferente de todos os sujeitos participantes do enredo, principalmente dos religiosos. Ao contrário dos outros que negaram ajuda ao desalentado Cândido, Tiago foi o único que estendeu sua mão para ajudá-lo, e posteriormente recebeu Pangloss com o mesmo propósito.
            A ação do anabatista é citada a semelhança do bom samaritano, descrita em Lucas 10:30-37. Sobre o ato abnegado de Tiago, contrário ao religioso católico, Cândido afirmou: “Bem que mestre Pangloss me dizia que tudo está o melhor possível neste mundo, pois sinto-me infinitamente mais tocado por vossa extrema generosidade do que pela dureza daquele senhor de casaco preto, e da senhora sua esposa”(p.14). Para aumentar o respeito pelo anabatista, após ter encontrado seu mestre (Pangloss) mendigando devido à invasão e destruição do castelo onde residia pelos búlgaros, viu-se obrigado a pedir novamente amparo a Tiago. Tiago vendo a necessidade imediata de Pangloss não hesitou em também ajudá-lo. Pangloss era, naquele momento, um maltrapilho sujo e imundo, desprezado à própria sorte, faminto e portador de uma DST (sífilis). Foi tratado a expensas de Tiago; foi curado parcialmente, pois a doença lhe assaltou um olho e um ouvido, mas mesmo assim recebeu trabalho do anabatista. No entanto, segundo Voltaire, não podemos ser otimistas ao ponto de acreditarmos na beleza da vida sem a devida reflexão. Tiago foi obrigado a ir à Lisboa com fins comerciais. Na viagem de navio sobreveio uma grande tempestade na qual ceifou a vida daquele cristão fiel e lançou Cândido e Pangloss novamente à própria sorte. Tiago numa ação altruísta salvou um dos marinheiros da morte, porém a sua própria não conseguiu salvar: foi lançado no mar bravio que o engoliu sem piedade. Cândido viu a cena e ficou chocado, olhando seu benfeitor desaparecer para sempre.
            Diante do exposto, qual a reflexão que podemos extrair deste conto sobre o anabatista? Primeiro, terá Voltaire percebido que o anabatismo demonstrava o perfil do cristão cuja vida estava orientada pelas Escrituras? O apóstolo Paulo exorta os romanos à prática da caridade (Rm 13:8-10) e a epístola de Tiago assevera à prática para confirmação da fé (Tg 2:1-20). Segundo, nos momentos de angústia e aflição, Cândido teve contato com pastores suíços dos quais não recebeu favor algum, antes, desprezo e apatia; seria isto uma intenção de apontar a má conduta de algumas vertentes religiosas cujo discurso enfatizava as Escrituras, mas que o cumprimento das mesmas fora esquecido? Terceiro, Voltaire quis compará-lo à descrição do verdadeiro seguidor de Cristo contida na epístola a Tiago, tornando isso evidente devido a utilização do mesmo nome? Quarto, seria sua intenção desabonar a Deus, porquanto apesar dos homens provocarem autoflagelo à raça existe sempre alguém bem orientado disposto a ajudar? Quinto, seria por ironia que o fazia tentando associá-lo ao pensamento leibniziano, julgando-o “o melhor de todos os cristãos” e como conseqüência “o melhor de todos os homens”?
           
Essas são algumas questões que podem fermentar nova discussão sobre o texto, mas retorno com uma das primeiras afirmações, Tiago foi um personagem diferente de todos os demais contidos no enredo. Enquanto a ira, a apatia, a discórdia, a avareza, a ambição, a discriminação, a inveja, o perjúrio, a falsidade, entre outras, são encontradas nos personagens do conto, Tiago é o único que carrega a pureza do Evangelho em toda sua plenitude. Ao tratarmos do anabatista neste artigo, fazemos referência ao movimento cujo fim era o retorno ao Primitivismo Cristão, àqueles que não queriam viver nos ditames desta vida, mas segundo os propósitos do Cristo bendito. Voltaire apresentou Tiago, o anabatista, devido à hegemonia católica que impregnava nos seus seguidores a marca de únicos servos de Deus. No entanto, pela crítica de Voltaire, o catolicismo não poderia reivindicar esse título, mas pessoas simples que viviam quase que despercebidas na sua fé religiosa despontavam com maior ímpeto para os valores do autêntico Cristianismo. Tiago é representando como o verdadeiro cristão e nos ensina a viver o pleno Cristianismo, ou seja, o Cristianismo prático.

Por Heládio Santos
Bacharel em Ciências Sociais
Especialista em Teorias da Comunição e em Teologia Histórica e Dogmática
Referências
Voltaire. Cândido. São Paulo: Martins Fontes, 2003.                      

Livro "Direito e Cristianismo"

Direito e Cristianismo

Temas atuais e polêmicos

Este livro se propõe a transmitir o pensar de cada articulista a respeito de temas jurídicos atuais e polêmicos, sempre tendo como fio condutor o compromisso de fomentar discussões acadêmicas à luz da prodigiosa cosmovisão cristã. Um trabalho feito com carinho para quem ama a Palavra de Deus e defende os valores cristãos, não importando sua específica área de estudo ou formal vinculação religiosa.
Serve a todos que desejam se inteirar dos mais variados debates jurídicos da atualidade, aqui enfrentados em perspectiva cristã e representa enorme importância para líderes compromissados com a busca do saber e com o aprimoramento técnico daqueles que prestam alguma atividade, voluntária ou não, perante o departamento jurídico-administrativo de cada denominação.

Abaixo, fotos do lançamento do livro na Assembleia de Deus no Rio de Janeiro, onde aparece o pastor Glauco Barreira Magalhães Filho (Presidente do IPC) juntamente com os outros autores.


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Breve comentário sobre "Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo"



Introdução


Este artigo propõe uma breve compreensão da mentalidade racional protestante inserida no sistema capitalista sob a perspectiva de Max Weber.
Ao lermos a obra “Ética protestante e o espírito do capitalismo” podemos perceber a visão abrangente do autor para propor explicações do desenvolvimento capitalista no Ocidente. É admirável sua disposição de apresentar a existência de relações similares ao capitalismo entre os indivíduos durante vários momentos da História Geral. Entretanto, estas não tiveram uma impulsão como à do capitalismo moderno, sendo a partir disso que ele segue em sua investigação.
            Seu enfoque principal foi o desenvolvimento capitalista através do protestantismo, sendo necessário descobrir sua visão de mundo, suas convicções e sua dedicação ao trabalho como forma de se tornar agradável a Deus. Nesta perspectiva seguiu elaborando suas conclusões mediante as quais asseverou a ação racional do indivíduo protestante gerando profundas transformações econômicas na sociedade a qual pertencia. Fomentou o capitalismo através de sua conduta disciplinada e moralmente irrepreensível, possibilitando um aumento de seus bens, acúmulo do lucro e o não desperdício dos seus rendimentos, porquanto não se davam à dissolução. A finalidade deveria está bem pautada na sua regra de fé e prática. Raymond Aron reforça nossa afirmativa quando diz:

“A ética protestante convida o crente a desconfiar dos bens deste mundo, e a adotar um comportamento ascético. Ora, trabalhar racionalmente tendo em vista o lucro, e não gastá-lo, é por excelência uma conduta necessária ao desenvolvimento do capitalismo, sinônimo do reinvestimento contínuo do lucro não consumido”[1].

Para Weber este posicionamento social era fruto de uma concepção de vocação, tema defendido pelo reformador alemão Martinho Lutero que focou esta questão para justificar o homem no trabalho secular. Entretanto, segundo a interpretação de Aron, para Calvino, reformador suíço, esta vocação sugere uma disposição do homem para o trabalho como uma forma de garantir a premiação divina: a salvação. A partir do momento que este trabalho gera frutos, o indivíduo passa a crê nisso como o selo identificador de sua eleição incondicional, ou seja, quanto maior sua prosperidade, conquistado pela racionalização empresarial, influenciado pelo zelo e temor a Deus, o crente vence a angústia da incerteza de salvação. Contudo, essa suposição de Aron encontra um problema nas convicções calvinistas.   
           
Entre o Ocidente e o Oriente

            Max Weber inicia sua tese a partir do desenvolvimento ocorrido no Ocidente, pois, como sabemos, destacou-se na modernidade através do advento da ciência, meio pelo qual o homem se libertou dos antigos paradigmas cujos fins barravam-lhe a utilização da razão. A sua intenção era de explicar os fatos sistematicamente, ou seja, racionalmente; pois, enquanto o Ocidente despertava para o “progresso” o Oriente estagnava-se na superficialidade dos fenômenos, contemplando-os sem muita profundidade e não fazendo uso de experimentações para fundamentarem suas descobertas a fim de desenvolvê-las. A diferenciação entre os dois mundos é a questão racional cujo entendimento propõe a utilização da razão, do intelecto, inato ao ser humano, para criar vias e regras para interpretação da vida e justificação dos fenômenos. É em meio a este clima que emerge o capitalismo.
            Neste contexto o autor vai enfatizar as considerações pertinentes às relações de troca. A finalidade capitalista deve ser por obrigação racional, de outra sorte, sofrerá prejuízo. Nesta discussão faz alusão ao fato de que o ganho sem reflexão, ocasionando um lucro financeiro exagerado, não compactua com os ideais capitalistas por ser irracional. A obrigação capitalista é na verdade o cálculo das despesas decorrentes da produção ou negociação de suas mercadorias e a contabilização de suas obrigações com a mão-de-obra empregada a fim de se estipular a rentabilidade, o que geraria sua manutenção. Weber confirmou estes fatores como os responsáveis pelo surgimento e desenvolvimento do capitalismo informando que “tal processo ocorrera por meio ‘da empresa permanente e racional, da contabilidade racional, da técnica racional e do Direito racional. A tudo isso se deve ainda adicionar a ideologia racional, a racionalização da vida, a ética racional da economia”[2]. 
Por outro lado, Weber dizia que as formas especulativas de rendimento estão enquadradas naquelas demoninadas irracionais já que não tem um cálculo meditório e racional. Existia naquele momento um grupo utilizando-se dessa irracionalidade. Essa classe era denominada de aventureira, e segundo o autor existiu em todo o mundo financiando guerras, construções e empreendimentos.
            Mediante este racionalismo moderno empresas domésticas foram se transformando, tornaram-se independentes em seu lugar de origem para a execução de suas atividades. Houve, então, a separação entre o doméstico e o negócio. Esta separação era uma tendência, já que ocorria um desenvolvimento específico para a mercantilização. Desenvolveu-se também o direito jurídico, assim como as maneiras de administração e de economia, proliferadas pelos capitalistas interessados em defender e proteger seus próprios objetivos.           
            São nestes fatos que se concentra a atenção de Weber para relativizar a formação da ética econômica. A proposta weberiana na ética protestante é discutir as relações e o caráter ascético do movimento. Ele detectou no meio protestante que os elementos formadores da conduta serviram para alavancar um processo de desenvolvimento econômico motivado pelo labor disciplinado que buscava o cumprimento do dever atribuído pela moral religiosa. Não foi este fato que determinou o crescimento capitalista, mas foi de grande serventia para os propósitos econômicos. Trabalhou também na observação das demais religiões (compondo este quadro aquelas de maior importância) na expectativa de encontrar fatos que pudessem ser comparados a explicação aceitável do desenvolvimento econômico ocidental.   
  
O “ESPÍRITO” DO CAPITALISMO

Ao falar sobre o “espírito” do capitalismo, Weber o aborda de forma bastante reflexiva, asseverando ao fato desse exigir acuidade e percepção. Para isso cita máximas de Benjamin Franklin exprimindo seu conteúdo para demonstrar seu raciocínio.
            No texto de Franklin pode-se detectar uma tentativa de moralização do trabalho. Ele propõe uma responsabilidade cujo fim é o cumprimento do dever profissional. Na realidade a sua proposta era de uma ética do dever aludindo um aspecto em que o trabalho tem um fim em si mesmo. Além do mais, “a obtenção de mais e mais dinheiro, combinada com o estrito afastamento de todo gozo espontâneo da vida...”[3] era a conseqüência desta forma racional de ethos definida para a execução do trabalho profissional através de atitudes morais chamadas de utilitaristas. Weber o destacou para suas análises porque julgou serem elas aquelas que produzem a regra essencial para o desenvolvimento capitalista: o acúmulo de riquezas. Por outro lado esta filosofia da avareza não era compatível com os ideais de muitos cuja consciência não captava a necessidade do acúmulo segundo a mentalidade de Franklin, deixando-se levar pela inescrupulosidade e nunca por um trabalho cujo fim dignificasse o ser e promovesse seu desenvolvimento. Extrai-se daí sua irracionalidade, pois desejava saciar apenas o próprio ego. A auri sacra fames (“sagrada fome pelo ouro”, expressão em que Vírgilio condena a ambição desmedida em Eneida) nos serve de exemplo aplicável neste fim, pois subverte a racionalidade do espírito capitalista dado seus meios de aquisição de valor. 
               O tradicionalismo, então, configurou-se como outra grande barreira que se opôs ao desenvolvimento capitalista justamente pela mentalidade cauterizada dos indivíduos que não tinham qualquer disposição em ganhar dinheiro para além daquilo que era necessário à sua sobrevivência. Essa atitude inibiu a produção em maior escala e ampliação dos negócios. Caso ocorresse o contrário, teriam promovido uma rentabilidade com os negócios e um giro comercial extraordinários àquela época. No pietismo, entretanto, o autor encontra justamente o contrário a referida atitude, acrescida de uma absoluta consciência de trabalho, uma busca de altos salários, um autocontrole e uma frugalidade venerada. A educação religiosa era a explicação para tal desprendimento, e é justamente do que necessitava o capitalismo para crescer: uma disposição laboriosa intensa.    

CONCEPÇÃO DE VOCAÇÃO EM LUTERO


            A ideia de vocação na Idade Média vincula-se exclusivamente àquela cujo trabalho era de cunho religioso exercido dentro do catolicismo romano como sacerdote. Em Lutero, esta proposição passa a ter nova conotação, pois a partir de seu discernimento, quando da tradução da Bíblia, verificamos uma valorização profunda do indivíduo na função secular associado a um sentido religioso do cumprimento do dever denominado de vocação. Ele prega sua sentença informando que pelo fato do indivíduo estar no mundo este tem por obrigação o cumprimento de um dever profissional para torná-lo aceitável perante Deus. Por isso censura a vida monástica, informando que tal posicionamento priva o indivíduo de exercer relações gerais, impedindo-o, inclusive, de servir ao seu próximo. Esta vocação para o trabalho, segundo Lutero, além de ser cumprimento da vontade de Deus, visava somente à satisfação das necessidades materiais. Desta maneira, Lutero equipara-se a uma condição tradicionalista, além de também condenar a usura e o lucro.
            A mentalidade luterana com respeito ao juro era extremamente crítica, pois através desta prática testemunhava-se uma falta da graça divina por exceder o suprimento das necessidades, além de ter o problema da exploração de outros. Sua interpretação da vocação no trabalho tinha uma conotação providencial, pois objetava conscientizar a todos os crentes do dever de assumir a posição na qual Deus os inserira na sociedade a fim de conservarem-se nela.
            Uma consequência perceptível desta situação gira em torno do crescimento pelo interesse profissional. Não é em Lutero que detectamos o “espírito” do capitalismo, justamente pelo seu caráter tradicionalista, mas decorre dele o posicionamento profissional que posteriormente vai abrindo novos horizontes fundamentados na fé e aprovando-os como sendo a prosperidade que vem pela vontade de Deus como um dom. O indivíduo muda esta definição luterana no calvinismo e no puritanismo que abrem espaço para uma busca do sucesso profissional aludindo à situação de está no mundo na iminência de serem prósperos, pois valorizavam a vida secular como dever. 
            Refletindo sobre a questão do materialismo histórico dentro do pensamento weberiano encontramos não uma tentativa de derrubar esta formação filosófica de Marx, mas uma explicação na qual se pode encontrar casos na sociedade como a Ética Protestante, orientando a economia desenvolvimentista e não uma economia agindo sobre a religião.
 
Por Heládio Santos
Bacharel em Ciências Sociais
Especialista em Comunicação Social e Teologia Histórica e Dogmática

[1] ARON, Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.500
[2] Citação de QUINTANEIRO, Tânia. Um Toque de Clássicos. Belo Horizonte:Editora UFMG, 2003, p. 141 do livro de Weber Origem do Capitalismo Moderno, p. 169
[3] WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Livraria Pioneira Editora: 1997, p. 33