Introdução
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Ao lermos a obra “Ética protestante e
o espírito do capitalismo” podemos perceber a visão abrangente do autor para
propor explicações do desenvolvimento capitalista no Ocidente. É admirável sua
disposição de apresentar a existência de relações similares ao capitalismo entre
os indivíduos durante vários momentos da História Geral. Entretanto, estas não
tiveram uma impulsão como à do capitalismo moderno, sendo a partir disso que
ele segue em sua investigação.
Seu enfoque
principal foi o desenvolvimento capitalista através do protestantismo, sendo
necessário descobrir sua visão de mundo, suas convicções e sua dedicação ao
trabalho como forma de se tornar agradável a Deus. Nesta perspectiva seguiu
elaborando suas conclusões mediante as quais asseverou a ação racional do
indivíduo protestante gerando profundas transformações econômicas na sociedade
a qual pertencia. Fomentou o capitalismo através de sua conduta disciplinada e
moralmente irrepreensível, possibilitando um aumento de seus bens, acúmulo do
lucro e o não desperdício dos seus rendimentos, porquanto não se davam à
dissolução. A finalidade deveria está bem pautada na sua regra de fé e prática.
Raymond Aron reforça nossa afirmativa quando diz:
“A ética protestante convida o crente
a desconfiar dos bens deste mundo, e a adotar um comportamento ascético. Ora,
trabalhar racionalmente tendo em vista o lucro, e não gastá-lo, é por
excelência uma conduta necessária ao desenvolvimento do capitalismo, sinônimo
do reinvestimento contínuo do lucro não consumido”[1].
Para Weber este posicionamento social era fruto de uma
concepção de vocação, tema defendido pelo reformador alemão Martinho Lutero que
focou esta questão para justificar o homem no trabalho secular. Entretanto,
segundo a interpretação de Aron, para Calvino, reformador suíço, esta vocação
sugere uma disposição do homem para o trabalho como uma forma de garantir a
premiação divina: a salvação. A partir do momento que este trabalho gera frutos,
o indivíduo passa a crê nisso como o selo identificador de sua eleição
incondicional, ou seja, quanto maior sua prosperidade, conquistado pela
racionalização empresarial, influenciado pelo zelo e temor a Deus, o crente
vence a angústia da incerteza de salvação. Contudo, essa suposição de Aron
encontra um problema nas convicções calvinistas.
Entre o Ocidente e o Oriente
Max Weber
inicia sua tese a partir do desenvolvimento ocorrido no Ocidente, pois, como
sabemos, destacou-se na modernidade através do advento da ciência, meio pelo
qual o homem se libertou dos antigos paradigmas cujos fins barravam-lhe a
utilização da razão. A sua intenção era de explicar os fatos sistematicamente,
ou seja, racionalmente; pois, enquanto o Ocidente despertava para o “progresso”
o Oriente estagnava-se na superficialidade dos fenômenos, contemplando-os sem
muita profundidade e não fazendo uso de experimentações para fundamentarem suas
descobertas a fim de desenvolvê-las. A diferenciação entre os dois mundos é a
questão racional cujo entendimento propõe a utilização da razão, do intelecto,
inato ao ser humano, para criar vias e regras para interpretação da vida e
justificação dos fenômenos. É em meio a este clima que emerge o capitalismo.
Neste
contexto o autor vai enfatizar as considerações pertinentes às relações de
troca. A finalidade capitalista deve ser por obrigação racional, de outra
sorte, sofrerá prejuízo. Nesta discussão faz alusão ao fato de que o ganho sem
reflexão, ocasionando um lucro financeiro exagerado, não compactua com os
ideais capitalistas por ser irracional. A obrigação capitalista é na verdade o cálculo
das despesas decorrentes da produção ou negociação de suas mercadorias e a contabilização
de suas obrigações com a mão-de-obra empregada a fim de se estipular a
rentabilidade, o que geraria sua manutenção. Weber confirmou estes fatores como
os responsáveis pelo surgimento e desenvolvimento do capitalismo informando que
“tal processo ocorrera por meio ‘da empresa permanente e racional, da
contabilidade racional, da técnica racional e do Direito racional. A tudo isso
se deve ainda adicionar a ideologia racional, a racionalização da vida, a ética
racional da economia”[2].
Por outro lado, Weber dizia que as
formas especulativas de rendimento estão enquadradas naquelas demoninadas
irracionais já que não tem um cálculo meditório e racional. Existia naquele
momento um grupo utilizando-se dessa irracionalidade. Essa classe era
denominada de aventureira, e segundo o autor existiu em todo o mundo
financiando guerras, construções e empreendimentos.
Mediante
este racionalismo moderno empresas domésticas foram se transformando, tornaram-se
independentes em seu lugar de origem para a execução de suas atividades. Houve,
então, a separação entre o doméstico e o negócio. Esta separação era uma tendência,
já que ocorria um desenvolvimento específico para a mercantilização. Desenvolveu-se
também o direito jurídico, assim como as maneiras de administração e de economia,
proliferadas pelos capitalistas interessados em defender e proteger seus
próprios objetivos.
São
nestes fatos que se concentra a atenção de Weber para relativizar a formação da
ética econômica. A proposta weberiana na ética protestante é discutir as
relações e o caráter ascético do movimento. Ele detectou no meio protestante
que os elementos formadores da conduta serviram para alavancar um processo de
desenvolvimento econômico motivado pelo labor disciplinado que buscava o
cumprimento do dever atribuído pela moral religiosa. Não foi este fato que
determinou o crescimento capitalista, mas foi de grande serventia para os
propósitos econômicos. Trabalhou também na observação das demais religiões
(compondo este quadro aquelas de maior importância) na expectativa de encontrar
fatos que pudessem ser comparados a explicação aceitável do desenvolvimento
econômico ocidental.
O “ESPÍRITO” DO CAPITALISMO
Ao falar
sobre o “espírito” do capitalismo, Weber o aborda de forma bastante reflexiva,
asseverando ao fato desse exigir acuidade e percepção. Para isso cita máximas
de Benjamin Franklin exprimindo seu conteúdo para demonstrar seu raciocínio.
No
texto de Franklin pode-se detectar uma tentativa de moralização do trabalho.
Ele propõe uma responsabilidade cujo fim é o cumprimento do dever profissional.
Na realidade a sua proposta era de uma ética do dever aludindo um aspecto em
que o trabalho tem um fim em si mesmo. Além do mais, “a obtenção de mais e mais
dinheiro, combinada com o estrito afastamento de todo gozo espontâneo da
vida...”[3]
era a conseqüência desta forma racional de ethos definida para a
execução do trabalho profissional através de atitudes morais chamadas de
utilitaristas. Weber o destacou para suas análises porque julgou serem elas
aquelas que produzem a regra essencial para o desenvolvimento capitalista: o
acúmulo de riquezas. Por outro lado esta filosofia da avareza não era
compatível com os ideais de muitos cuja consciência não captava a necessidade
do acúmulo segundo a mentalidade de Franklin, deixando-se levar pela
inescrupulosidade e nunca por um trabalho cujo fim dignificasse o ser e
promovesse seu desenvolvimento. Extrai-se daí sua irracionalidade, pois
desejava saciar apenas o próprio ego. A auri sacra fames (“sagrada fome pelo ouro”, expressão em que
Vírgilio condena a ambição desmedida em Eneida) nos serve de exemplo
aplicável neste fim, pois subverte a racionalidade do espírito capitalista dado
seus meios de aquisição de valor.
O tradicionalismo, então, configurou-se como
outra grande barreira que se opôs ao desenvolvimento capitalista justamente
pela mentalidade cauterizada dos indivíduos que não tinham qualquer disposição
em ganhar dinheiro para além daquilo que era necessário à sua sobrevivência. Essa
atitude inibiu a produção em maior escala e ampliação dos negócios. Caso
ocorresse o contrário, teriam promovido uma rentabilidade com os negócios e um
giro comercial extraordinários àquela época. No pietismo, entretanto, o autor
encontra justamente o contrário a referida atitude, acrescida de uma absoluta
consciência de trabalho, uma busca de altos salários, um autocontrole e uma
frugalidade venerada. A educação religiosa era a explicação para tal
desprendimento, e é justamente do que necessitava o capitalismo para crescer:
uma disposição laboriosa intensa.
CONCEPÇÃO DE VOCAÇÃO EM LUTERO
A ideia de
vocação na Idade Média vincula-se exclusivamente àquela cujo trabalho era de
cunho religioso exercido dentro do catolicismo romano como sacerdote. Em
Lutero, esta proposição passa a ter nova conotação, pois a partir de seu
discernimento, quando da tradução da Bíblia, verificamos uma valorização
profunda do indivíduo na função secular associado a um sentido religioso do cumprimento
do dever denominado de vocação. Ele prega sua sentença informando que pelo fato
do indivíduo estar no mundo este tem por obrigação o cumprimento de um dever
profissional para torná-lo aceitável perante Deus. Por isso censura a vida
monástica, informando que tal posicionamento priva o indivíduo de exercer
relações gerais, impedindo-o, inclusive, de servir ao seu próximo. Esta vocação
para o trabalho, segundo Lutero, além de ser cumprimento da vontade de Deus,
visava somente à satisfação das necessidades materiais. Desta maneira, Lutero
equipara-se a uma condição tradicionalista, além de também condenar a usura e o
lucro.
A
mentalidade luterana com respeito ao juro era extremamente crítica, pois
através desta prática testemunhava-se uma falta da graça divina por exceder o
suprimento das necessidades, além de ter o problema da exploração de outros.
Sua interpretação da vocação no trabalho tinha uma conotação providencial, pois
objetava conscientizar a todos os crentes do dever de assumir a posição na qual
Deus os inserira na sociedade a fim de conservarem-se nela.
Uma
consequência perceptível desta situação gira em torno do crescimento pelo
interesse profissional. Não é em Lutero que detectamos o “espírito” do
capitalismo, justamente pelo seu caráter tradicionalista, mas decorre dele o
posicionamento profissional que posteriormente vai abrindo novos horizontes
fundamentados na fé e aprovando-os como sendo a prosperidade que vem pela
vontade de Deus como um dom. O indivíduo muda esta definição luterana no calvinismo
e no puritanismo que abrem espaço para uma busca do sucesso profissional
aludindo à situação de está no mundo na iminência de serem prósperos, pois
valorizavam a vida secular como dever.
Refletindo
sobre a questão do materialismo histórico dentro do pensamento weberiano
encontramos não uma tentativa de derrubar esta formação filosófica de Marx, mas
uma explicação na qual se pode encontrar casos na sociedade como a Ética
Protestante, orientando a economia desenvolvimentista e não uma economia agindo
sobre a religião.
Por Heládio Santos
Bacharel em Ciências Sociais
Especialista em Comunicação Social e
Teologia Histórica e Dogmática
[1] ARON,
Raymond. As Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes,
1997, p.500
[2] Citação
de QUINTANEIRO, Tânia. Um Toque de Clássicos. Belo Horizonte:Editora
UFMG, 2003, p. 141 do livro de Weber Origem do Capitalismo Moderno, p.
169
[3] WEBER,
Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo:
Livraria Pioneira Editora: 1997, p. 33
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