A Revolução Francesa impactou a sociedade de sua época de tal
maneira que muitos outros países, quer europeus quer americanos, aderiram à
ideologia revolucionária para por fim aos caprichos intolerantes de seus corpos
governantes. Os acontecimentos,
de forma geral, afirmaram e revelaram o interesse pelas mudanças radicais, a
ponto de serem, figuradamente, classificadas como “divisor de águas”.
A queda da
Bastilha foi um momento sem igual. Trouxe àquela comunidade apática a
libertação de um fardo opressor. Os suspiros de alívio “apaziguaram” os ânimos e
revelaram um novo horizonte. A Declaração dos Direitos Humanos expressou o
clamor que a muito estava escondido no seio do povo. O Sufrágio Universal abriu
às portas para a opinião de cada indivíduo. A abolição dos privilégios
nobiliárquicos por parte da própria nobreza surpreendeu, mas não deixou de
revelar seu medo latente. Com isso, romperam com a tradição e fundaram uma nova
ordem com o desejo de uma sociedade justa e equilibrada. Mas isso foi apenas um
degrau no percurso histórico.
Com o surgimento
deste novo cenário político e ideológico, a França protagonizou experiências
históricas inéditas, tais como: a politização da questão social, as
experiências democráticas e republicanas, e os primeiros projetos socialistas.
Duas
questões acerca da Revolução Francesa são utilizadas para nos fornecerem uma
noção de sua natureza e de suas causas. A primeira é o modelo “clássico” da
revolução burguesa e a segunda apóia-se nas teses de Marx sobre a via
revolucionária de passagem do feudalismo ao capitalismo. A aristocracia foi considerada o árbitro da
revolução, assim como a burguesia foi considerada a expressão das forças mais
radicais. Tendo em vista a concepção de que a revolução era conseqüência da lei
histórica, os acontecimentos seguintes tinham caráter inevitável. Então, a
transição do antigo regime para o novo era entendida como uma “necessidade
histórica”.
“Para que se
defina o caráter da revolução há que se definir previamente qual de suas etapas
ou qual de suas ‘revoluções’ melhor identifica a mudança”[1].
Isto decorre pelo fato de alguns críticos apontarem “as
fragilidades da visão
construída sobre a base do conflito entre burguesia e aristocracia”[2], e
“numa outra vertente, as análises sobre a situação agrária no final do antigo
regime têm insistido nas teses sobre o desenvolvimento de formas capitalistas
(...) fragilizando ainda mais o argumento fundado no conflito entre feudalismo
e capitalismo...”[3], além de
“atribuir maior relevância à declaração dos direitos (...) à vitória dos
princípios do liberalismo e à conquista da liberdade; ou privilegiar a
convenção jacobina e o esforço de ampliar as conquistas revolucionárias ao
preço do sacrifício da liberdade, em prol da igualdade e da imposição do
terror”[4].
Os textos de
Voltaire, Diderot, Rousseau e Montesquieu têm em comum a crítica ao antigo
regime e a Igreja (principalmente o catolicismo). Neles são condenados o
obscurantismo e o predomínio das “trevas”, com os quais são demonstradas as
sociedades submetidas ao pensamento escolástico. Um fator positivo para alguns
historiadores foi que esses escritos difundiram “a crença na razão como
portadora do progresso e da felicidade. Mas, questiona-se à possibilidade de
novas ideias terem a força de mudar regimes políticos e sociais”[5].
No entanto,
a França passa por grandes dificuldades após a revolução. Contextualizando-as,
Tocqueville traduziu aquele sentimento em sua afirmação: “... como o passado
deixou de lançar a sua luz sobre o futuro, a mente humana vagueia na escuridão”[6].
Aqui percebemos o rompimento com a tradição e o lançamento do homem num futuro
incerto. Esta abertura para o novo horizonte valorizou o “espaço de
experiência”, redimensionando o espaço de “expectativas”. Neste momento,
concebeu-se a ideia do homem controlar a história, ou construir o futuro.
A libertação
da ordem antiga pela instauração de uma nova privilegiou o agir humano através
da revolução. A questão escatológica vinculada à concepção tradicional da
religião assume formas seculares, conquistando em vida e no reino dos homens o
paraíso. Este pensamento, de poder construir a história, supõem a possibilidade
do controle e da aceleração do tempo para que o futuro possa ser alcançado de
forma mais rápida.
O objetivo
das revoluções é o futuro da sociedade, como afirmou Robespierre em seu
discurso de 1794 quando disse: “que a metade da revolução do mundo estava
terminada e que faltava completá-la na outra metade”.
Os
iluministas atacam os historiadores e antiquários censurando-os “por esquecerem
que a história deveria ser uma ‘reinterpretação’ do passado e que somente com
este proceder seria possível formular conclusões sobre o presente”[7].
A questão
comum entre o Absolutismo, o Iluminismo e a Revolução Francesa é sem dúvida a
centralização do poder nas mãos do monarca. Essa ideologia absolutista provocou
grandes impactos, sendo estes de natureza satisfatória, mas restrita e
direcionada apenas aos interesses reais, burgueses e dos nobres, e outro
insatisfatório, principalmente, para os plebeus que viviam oprimidos pela
avantajada cobrança de impostos.
Na França, a fase crítica desta
situação se dá quando os nobres passam a viver junto ao rei, no seu palácio. A
pessoa real, assim, passa a ser cultuada e venerada como deus. Aqueles
dependentes (sanguessugas), ou como é tratada, historicamente, a corte, usam da
bajulação para conservarem seus caprichos, suas vidas de luxurias sem
preocupações, apenas vivendo em torno da pessoa do Rei-Sol, minando bens
custeados pelo povo. Sem falar que a quantidade de nobres dependentes era
imensa, obrigando o rei a ter altos custos para manutenção deste grupo invasivo.
Com o tempo os recursos esvaíram e o monarca se vê obrigado a negociar dando
títulos de nobreza a quem possa pagar. Entretanto, não é o monarca a vítima e
sim a própria nobreza, já que essa se encontra enquadrada nos planos do rei,
pois o mesmo podia controlar as tentativas de usurpação do poder, assim como
podia criar contendas na mesma tornando difícil qualquer ligação entre a
corte.
A ideologia iluminista surge
questionando estes privilégios da nobreza cuja fonte de vida emanava do rei, o
direito divino do rei e incentivando o conhecimento científico e filosófico. A
partir deste momento, as idéias são disseminadas fomentando o desejo de liberdade
deste despotismo.
A Revolução Francesa apresenta-se
como a consumação radical destas ideologias, pondo fim ao reinado absoluto e
dando direitos a todos. Desta feita, o homem pôde exercer sua liberdade
promovendo a política e exercendo o papel de cidadão ou de alguém cujo
interesse estava ligado ao todo e não mais ao individual.
Neste
momento histórico, o homem concebeu uma nova identidade, passando a ser aquele
que faz a história, não querendo ficar apenas como sujeito a ela tal qual um
simples objeto, mas ambicionou construir seu próprio futuro de acordo com suas
aptidões e pensamentos. Há um enfoque reivindicatório no sentido desta elevação
humana. Ele fala mais alto e coopera para ousarem, pois segundo seus conceitos
quase não há empecilhos. A obscuridade, uma barreira de outrora, é transpassada
dando lugar à reflexão produtora do bem da ciência, o conhecimento. Este
produto orientador é fundamental para análise de tudo quanto há de valor. Isto
não quer dizer, no entanto, que detemos todo o bem. Estamos em fase de
aperfeiçoamento, em busca da verdade.
Por Heládio Santos
Bacharel em Ciências Sociais
Especialista em Comunicação Social e
Teologia Histórica e Dogmática
[1]
CAVALCANTE, Berenice. A Revolução Francesa e a Modernidade. São Paulo:
Editora Contexto, 1991, p. 12.
[2]
CAVALCANTE, Berenice. A Revolução Francesa e a Modernidade. São Paulo:
Editora Contexto, 1991, p. 12.
[3]
CAVALCANTE, Berenice. A Revolução Francesa e a Modernidade. São Paulo:
Editora Contexto, 1991, p. 12.
[4]
CAVALCANTE, Berenice. A Revolução Francesa e a Modernidade. São Paulo:
Editora Contexto, 1991, p. 12
[5]
CAVALCANTE, Berenice. A Revolução Francesa e a Modernidade. São Paulo:
Editora Contexto, 1991, p. 13.
[6]
CAVALCANTE, Berenice. A Revolução Francesa e a Modernidade. São Paulo:
Editora Contexto, 1991, p. 54.
[7]
CAVALCANTE, Berenice. A Revolução Francesa e a Modernidade. São Paulo:
Editora Contexto, 1991, p. 61.
Nenhum comentário:
Postar um comentário