![]() |
Jacques Le Goff |
Para uma reinterpretação da história, Jacques Le Goff, em
abordagem sobre a relação da história em construção e da sua interpretação e
reinterpretação, afirma que os eventos pretéritos construíram uma determinada
ideologia capaz de ser compreendida enquanto tal, mas, que podem também, sob
novas perspectivas, serem reinterpretadas. De acordo com sua teoria, o futuro
sempre reserva novas descobertas e interpretações, seja pelo aspecto
arqueológico que está na iminência de encontrar algo capaz de resgatar o passado
para reinterpretá-lo, seja através de novas leituras que se faz do que foi
encontrado. Este modo de pensar conserva o fato do passado sempre presente,
elevando-o a um patamar vinculado também ao futuro. As questões do passado
funcionaram como degraus pelos quais a humanidade ascendeu para um plano
superior, mas que, apesar da elevação e enquanto pesquisadores, devemos,
constantemente, revisitar seu contexto pregresso para uma compreensão mais
apurada dos fenômenos sociais que a atingem no presente. Le Goff assevera:
...O passado é
uma construção e uma reinterpretação constante e tem um futuro que é parte
integrante e significativa da história. Isto é verdadeiro em dois sentidos.
Primeiro, porque o progresso dos métodos e das técnicas permite pensar que uma
parte importante dos documentos do passado esteja ainda por se descobrir. Parte
material: a arqueologia decorre sem cessar dos monumentos desconhecidos do
passado; os arquivos do passado continuam incessantemente a enriquecer-se.
Novas leituras de documentos, frutos de um presente que nascerá no futuro,
devem também assegurar ao passado uma sobrevivência — ou melhor, uma vida —,
que deixa de ser “definitivamente passado”. À relação essencial
presente-passado devemos, pois, acrescentar o horizonte do futuro. Ainda aqui
os sentidos são múltiplos. As teologias da história subordinaram-na a um
objetivo definido como o seu fim, o seu cumprimento e a sua revelação. Isto é
verdadeiro na história cristã, absorvida pela escatologia; mas também o é no
materialismo histórico (em sua versão ideológica), que se baseia numa ciência
do passado, um desejo de futuro não dependente apenas da fusão de uma análise
científica da história passada e de uma prática revolucionária, esclarecida por
essa análise. (Le Goff, 25)
Os conceitos de Le Goff são interessantes, contudo, sua
relatividade está aparente. No caso da história e teologia, percebemos que
existe uma multiplicidade de credos nesta “teologia”, pois este seu conceito se
refere aos desdobramentos do Cristianismo, bem como de toda manifestação divina
nas diversas culturas existentes através de sua história local ou geral. Esta
concepção acadêmica tem transformado Deus e o seu Cristianismo em um objeto de
laboratório observado por “quem está acima do movimento”. Para sermos coerentes
em nossa linguagem, Deus é o absoluto, tudo pode ser explicado através dele. O
Cristianismo ganha força com um movimento singular em razão de sua relação
direta com o sagrado ou com a Divindade. Sem ele, o Cristianismo não passa de
mais um desdobramento para relações entre indivíduos.
No que diz respeito à História dos movimentos é uma
argumentação coerente. Ao se referir a Teologia, um equívoco. A Teologia está
cristalizada, ou melhor, fundamentada em alicerce inalterável, não permitindo uma
reinterpretação. Devemos entender que a Palavra Divina é objetiva, caminhando
em única direção dada sua univocidade. Tem uma base fundamental na qual indica
um só alvo, não comportando ambiguidades. Se existisse, acreditaríamos num Deus
confuso. A questão dissonante, no entanto, é a interpretação múltipla de cada
grupo religioso. Essa tentativa de puxar a interpretação para a própria vertente
provoca pobreza do conteúdo e menosprezo pelo Sagrado. A teologia cristã é
inalterável porque Deus é imutável, atributo da Divindade que impossibilita
qualquer reinterpretação do que foi e do que será, registrados nas Escrituras.
A imutabilidade de Deus, no entanto, conflita com a dinâmica social. Razão pela
qual muitos teóricos tentam lançar novas interpretações para a doutrinação
cristã. A sociedade, como dizem as Escrituras, é como um mar agitado. Está em
constante movimentação. Essas movimentações atingem e alteram de tempos em
tempos todas as ordens e todos os segmentos encontrados nela. Então, a reflexão
que se faz dessa conjuntura é: se a maioria dos status sociais sofrem modificações e reinvenções devido às
constantes tendências porque a Teologia não poderia sofrer essas ávidas
influências de mudanças? A resposta para essa questão, na visão mundanizante, é difícil de ser respondida, pois há resistência em aceitar o modo atemporal da
ética e moral divina. Não se aceita que a maneira de ser do passado deverá ser
a mesma do presente, alcançando também a larga medida de tempo do futuro. A
teologia está circunscrita ao ser divino, obedecendo-lhe na maneira de se
apresentar ao homem. Em si mesma, continua selada, impedindo as incrementações
decorrentes de novos valores que o homem crie para modifica-la em exercício
coercitivo.
Além disso, deveremos entender que a Teologia tem como
base a doutrina encontrada no primitivismo cristão, categoria elencada para
identificar o primeiro grupo de cristãos cuja devoção era estrita aos
ensinamentos de Cristo, dos apóstolos e dos Profetas. Os escritos sempre foram considerados
o manual de regra de fé e prática e deverão ser apregoados para uma concepção
uniforme de Deus, de suas doutrinas e de sua moral para um comportamento
espiritual relacionado à primeira Igreja de Atos dos Apóstolos a fim de serem
transmitidos para as gerações posteriores os pilares da fé com o objetivo de que
caminhem uníssonos, apesar do extenso espaço temporal, porquanto se referem a
um mesmo povo. Essa compreensão garante a conservação de todos os valores
contidos no imenso conjunto escriturístico, evidenciando os efeitos da Teologia
que a Igreja Cristã ensina.
Por Heládio Santos
Bacharel em Ciências Sociais
Especialista em Teorias da
Comunicação e em Teologia Histórica e Dogmática
Referências
Le Goff, Jacques. História e memória. Campinas, SP:
Editora Unicamp, 2005.
Nenhum comentário:
Postar um comentário