A sucessão apostólica, iniciada no segundo
século, foi uma instituição eclesiástica promovida por alguns bispos para
concentrarem, em suas mãos, o poder sobre a Igreja Cristã. Como a Era
Apostólica tinha passado, queriam que aquela autoridade encontrada nos
ministros constituídos diretamente por Cristo fosse transferida para eles de
forma consensual e sob suas orientações, ainda que tal ação não tivesse
respaldo na doutrinação cristã. Exigiam o poder para governar o corpo de Cristo
que estava aumentando com receios de perdimentos para o movimento, no entanto, muitas
outras questões estavam ocultas.
Para uma análise coerente, deveremos
considerar o contexto onde foi proclamada, quem a proclamou, em que estado
estavam a igreja geral e seus líderes para percebermos o teor da nova proposta
e o que veio à tona. Pela História, verificamos problemas comprometedores da
ordem estabelecida na Igreja Primitiva no que diz respeito à autoridade
episcopal: práticas imorais dos lideres, esfriamento espiritual e corrupção da
igreja geral. Pelo contexto apresentado por Olson, a cristandade
entrava num período de anomia doutrinária, momento em que o formalismo religioso
e a sucessão apostólica eram os temas de maior controvérsia. O formalismo tinha
uma característica específica: tornar o Cristianismo uma vertente religiosa
mecânica sem vida comunitária, mesmo tendo sido o Cristianismo bíblico marcado
pela ação conjunta dos apóstolos e da comunidade. Havia um trabalho específico
da liderança que era congregar e doutrinar a Igreja, que por sua vez assimilava
e compartilhava as doutrinas aprendidas, verificando-se isto nas reuniões
gerais quando “...estavam
todos unanimemente no alpendre de Salomão” (Atos 5:12) e nas reuniões de casa
quando “...todos os dias, no templo e nas casas, não cessavam de ensinar, e de
anunciar a Jesus Cristo” (Atos 5:42). Este Cristianismo participativo estava
sendo afetado pela penetração da formalização das praticas, porquanto agora,
seguiriam o caminho que culminaria em breve na ritualização da vida cristã. Não
perceberam que a forma imposta estava extraindo o caráter espiritual,
devocional e relacional com Deus.
Por um lado, a institucionalização para concentração do
domínio sobre o todo eclesiástico demonstra-se conservadora, pelo outro,
tendência ultraconservadora. Pelo
argumento defendido por Olson, verificamos seu lado conservador, uma vez que:
“Durante décadas a igreja mostrou-se extremamente desconfiada quanto a profetas
autoproclamados, temendo que talvez pretendessem substituir os apóstolos como
autoridades especiais suscitadas por Deus, à parte das estruturas da igreja”
(Olson, p.31). Existia uma preocupação quanto à permanência dos bispos em seus
postos na igreja não podendo ninguém exercer autoridade superior a daqueles
legitimamente separados e consagrados para função ministerial. O surgimento de
algum seguidor cujo histórico não estivesse enquadrado nestes padrões seria
logo rejeitado, principalmente, se fosse um profeta itinerante conforme
alertava o Didaqué:
Portanto, quem quer que venha e te ensine todas
as coisas que foram ditas antes, o receba. Mas se o próprio mestre se volta e ensina
outra doutrina à destruição deste, não lhe dê ouvidos. Mas se ele ensina para
aumentar a retidão e o conhecimento do Senhor, receba-o como ao Senhor. Mas com
respeito aos apóstolos e profetas, aja de acordo com o decreto do Evangelho.
Todo apóstolo que vier a ti seja recebido como o Senhor. Mas que ele não
permaneça mais de um dia: ou dois dias, se houver necessidade. Mas se
permanecer três dias, ele é falso profeta. E quando o apóstolo vai embora, não
o deixe levar nada mais que pão até que ele se hospede. Se ele pedir dinheiro,
ele é um falso profeta. E todo profeta que fala no Espírito tu não deves
julgar; pois todo pecado será perdoado. Contudo, nem todo aquele que fala no
Espírito é um profeta: mas apenas se ele mantiver os caminhos do Senhor. Portanto
o falso profeta e o profeta por seus caminhos serão conhecidos... (Proença: 781)
O Didaqué reflete, sob determinado
aspecto, o tipo de conduta admitida diante de indivíduos com títulos
eclesiásticos. Por mais exagerada que pareça, existia uma preocupação demasiada
para não serem enganados, por isso, a quantidade de detalhes e circunstâncias
para identificarem os supostos falsários e verdadeiros homens de Deus. O que
estava em causa, então, era a preocupação dos bispos quanto aos supostos
profetas maquinarem em estabelecer uma nova ordem em cima daquela que fora
posta pelas vias místicas de suas experiências.
O
ultraconservadorismo, no entanto, assumiu um papel negador da primeira ação
conservadora, concentrando em si nada mais do que a possibilidade de
estabelecer uma religião hermética, sem vazão espiritual, inclusive, do fluxo
de Deus através de seu Espírito na vida comunitário da Igreja: a organização
institucional acarretou com a perda do legado do Espírito.
A reação Montanista quanto à situação foi imediata
alardeando como um som de despertamento espiritual. Não foi irreverente, pois
para assim ser, deveria ser oposta aos conceitos fundamentais da fé, o que não
foi o caso. Reagiu contra os institutos inovadores para firmar ainda mais os
ensinos neotestamentários. Montano nunca se disse apóstolo trazendo um ensino
novo que deveria ser praticado, antes figurou como um mero profeta (sentido
metafórico neste caso) contra o erro e a favor da verdade uma vez que tentou
reintroduzir o primitivismo cristão na igreja de seu tempo intensificando a
devoção a Deus e rejeitando a sucessão no formato que estava sendo defendido.
Como defende W. Walker: “...eles purificavam a si mesmos e rompiam seus
laços com a sociedade” (Walker:86).
Por Heládio Santos
Bacharel em Ciências Sociais
Especialista
em Teorias da Comunicação e em Teologia Histórica e Dogmática
Olson, Roger. História da Teologia Cristã – 2000 anos de
tradição e reformas. São Paulo: Editora Vida Acadêmica, 2001, 4a.Impressão.
Proença, Eduardo de (org.). Apócrifos e pseudo-epígrafos da
Bíblia. São Paulo: Fonte Editorial Ltda, 2010.
Walker, W. História da Igreja Cristã. São Paulo: Aste,
2006.